
Os resultados do estudo sobre os impactos da exposição do amianto sobre parte dos 65 mil moradores da região sudoeste da Bahia, que foram impactados direta ou indiretamente pela exposição do amianto, foram entregues nesta semana para os pacientes e autoridades locais.
O Ministério Público do Trabalho (MPT), em parceria com a Associação Brasileira de Expostos ao Amianto (Abrea) e a Associação das Vítimas Contaminadas pelo Amianto e Famílias Expostas (Avicafe), realizou a avaliação médica de 584 pessoas, durante ação de rastreamento de doenças relacionadas ao amianto (DRA). A região sudoeste recebeu uma equipe médica e uma carreta-tomógrafo, em setembro do ano passado, para a avaliação, e os laudos ficaram prontos e ações efetivas estão sendo cobradas para atender às vítimas da contaminação pelo amianto.
Entre a população atendida, que corresponde a menos de 1% do total de habitantes da região (em torno de 65 mil pessoas), 30% afirmaram ter tido exposição ocupacional ao mineral cancerígeno, enquanto os outros 70% foram expostos através do ambiente. Entre as pessoas atendidas, 66 foram diagnosticadas com uma ou mais DRA. Pela baixa quantidade de pessoas avaliadas, a possibilidade de mais pessoas afetadas é alta.
Os atendimentos foram realizados entre os dias 2 e 20 de setembro de 2024 nos municípios de Bom Jesus da Serra, Caetanos, Poções e Planalto. O diagnóstico contou com a cooperação das equipes médicas do Instituto do Coração de São Paulo (Incor), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Hospital do Câncer de Barretos.
A procuradora regional e gerente do projeto Amianto do MPT, Marcia Kamei, explica que as pessoas examinadas foram submetidas à tomografia computadorizada de baixa dose de radiação, modalidade de radiografia especializada no rastreamento de câncer de pulmão, que é capaz de identificar a doença antes de apresentar sintomas.
O diagnóstico precoce é determinante para o sucesso dos tratamentos. Essa carreta tomógrafo serviu para mostrar que a saúde dessa população precisa ser monitorada mais de perto, até porque o período de latência de algumas doenças pode ser longo e requer essa vigilância continuada”.
O mapeamento dos possíveis contaminados pelo amianto foi realizado pelas secretarias de saúde dos municípios envolvidos. Para viabilizar os diagnósticos e tratamentos, o MPT destinou mais de R$540 mil, sendo a maior parte vindo de ações judiciais do MPT em São Paulo contra empresas que descumpriram a legislação trabalhista.
A região sudoeste foi um polo de exportação do amianto por quase 30 anos, através da mina de São Félix, que esteve ativa entre 1939 e 1967. Ela foi operada inicialmente pelo grupo francês Saint-Gobain, detentor da marca Brasilit, e depois passou para a empresa Sema, através da Eternit, que abandonou as operações sem contemplar as responsabilidades ambientais.
Impactos ao Meio Ambiente
Mesmo com a mina fechada há quase 60 anos, o relatório da pesquisa aponta a presença de contaminação do meio ambiente. Casas, fundações de edifícios, estradas e até lápides de cemitério foram construídas e pavimentadas com pedras de amianto, doadas pela empresa para a prefeitura e residentes da região.
O médico da divisão de pneumologia do Incor, do Hospital das Clínicas da USP, Ubiratan de Paula Santos, conta como se dá o problema da contaminação por amianto no local.
O amianto está presente nos trabalhadores da mina, em seus familiares e em todos os moradores locais. Isso porque a mina foi desativada em 1969, mas empregou milhares de homens, que moravam ali com suas crianças e mulheres. A fábrica também doava pedras de amianto para as pessoas levarem para casa, usarem nos quintais, nos pisos, no calçamento da rua”.
A avaliação clínica resultou em recomendações para o poder público, indicando como dar continuidade aos cuidados. Os servidores municipais de saúde deverão continuar o acompanhamento das pessoas diagnosticadas com DRA, encaminhando aos serviços secundários e terciários, os casos que requerem maiores cuidados.
Será estabelecido um cronograma para repetir os exames periodicamente, além de fornecer acompanhamento dos que não apresentaram alterações nos resultados dos exames. Todos os examinados deverão repetir a espirometria ainda em 2025 e o exame de raio X em 2026.
Recomendações
O documento da pesquisa indica que o poder público deverá registrar os resultados em bases de dados como Sinan, SIM e Datamianto, montando um fundamento para futuras políticas públicas. Também deverá ser criados um centro regional especializado em doenças pulmonares, com a infraestrutura necessária para o diagnóstico e tratamento.
Histórico
O amianto é uma substância mineral encontrada na natureza. Apesar de possuir qualidades como material de construção, é altamente prejudicial à saúde humana, causando graves problemas ao pulmão. No Brasil, a utilização do mineral, em específico na sua forma de fibra tipo crisólita, foi banida em 2017 após resolução do Supremo Tribunal Federal (STF). A Organização Mundial de Saúde (OMS) sustenta que todas as variedades de amianto causam câncer, e estima que cerca de 50% das mortes por câncer ocupacional estão associadas à exposição à fibra. Não existe limiar seguro para a exposição humana.
A luta contra o amianto no Brasil começou a ganhar força a partir dos anos 1980, com o aumento do número de casos de adoecimento de trabalhadores expostos ao minério. O MPT, juntamente com movimentos de trabalhadores, sindicatos e organizações não-governamentais, entre elas a Abrea, começou a pressionar por medidas mais rígidas que garantissem a segurança e a saúde dos trabalhadores.
Em 2012, o MPT criou o Programa Nacional de Banimento do Amianto, atualmente chamado de Grupo de Trabalho Amianto. Foram ingressadas diversas ações, feitos de acordos judiciais e termos de ajuste de conduta com empresas que se comprometeram a não usar mais o produto.