A negação da degradação de nossos corpos nos faz envelhecer aos sustos —médicos, laborais ou familiares—, ou seja, como uma notícia que vem de fora. Há aqueles que têm uma consciência mais clara das dificuldades intrínsecas, não só extrínsecas da conjugação entre ascensão profissional e aspirações relacionais qualitativas, mas isso não significa que tais contradições tenham sido resolvidas e a fórmula possa ser usada e repetida. Isso significa apenas maior clareza e consciência sobre a dimensão do problema.
Outro aspecto é que as perennials parecem ter realmente se apropriado das conquistas e do programa feminista fora da chave denunciativa. Elas desenvolveram uma forma mais poderosa de reivindicar, que é a apropriação dos meios em relação aos quais as transformações de posição realmente dependem. Não querem ser apenas ser reconhecidas pelo que são, mas também e fundamentalmente pelo que desejam.
Não diria que o homem perennial é um “modelo” anterior. A trajetória que você descreve geralmente está marcada por uma deflação de expectativas. São experiências marcadas pelo recomeço e pelo novo início. Este não é um tópico central para as perennials, ainda porque começar de novo para estas mulheres está marcado pelo “aumento de expectativas” e não pela consolação.
A diferença de empoderamento pode ser entendida aqui pelo fato de que para as mulheres trata-se de uma questão de autoridade, enquanto para os homens tratava-se de uma questão poder. Por isso observamos este sutil deslocamento significante: não se trata para elas de falam em independência, ou seja, fuga da dependência, mas de autonomia, ou seja, conquista de espaços nos quais nossa posição diante das regras está mais clara e implicada.
A crítica moralista deve ser pensada não apenas como um efeito regressivo e estrutural contra todas as mudanças de costumes, mas no quadro geral de uma liberalização do moralismo, do preconceito e da violência relacional. Isso afetou profundamente o modelo de criação de filhos, nos quais os millennials (homens e mulheres) se formaram, um modelo que teve por efeito a produção de uma geração de jovens inusitadamente moralista (não no sentido antigo das práticas proibidas ou permitidas, mas no sentido neonarcísico no qual ideais e a forma como os outros nos percebem e nos reconhecem adquiririam força de lei, às quais reagimos de modo conformado, passivo e intimidado. Curiosamente, a percepção deste efeito nos adultos que os criaram ajuda a que estes se reposicionem, interpretando a obsessão com a aprovação dos outros como algo infantil a ser superado.
Talvez valha a pena separar aqui os ageless, ou seja, aqueles que não se acostumam nem se submetem ao seu padrão geracional e etário, ou seja, o reconhece e transforma sua relação com o semblante, e perennials que se caracterizam pela negação da finitude e do pensamento. São trajetórias tristes de lutas para sustentar uma imagem no momento que ela cai, por adoecimento, pela impossibilidade prática ou material de mantê-la.