Abolição não foi um ato isolado: entenda o contexto por trás do 13 de maio
A data marca o fim oficial da escravidão no Brasil, mas a luta começou muito antes e foi protagonizada por quem resistiu, fugiu, lutou e enfrentou um sistema desumano por mais de 350 anos

O 13 de maio de 1888 ficou registrado na história como o dia da assinatura da Lei Áurea, que pôs fim, no papel, ao regime escravocrata no Brasil. Mas a abolição não veio de graça. Foi resultado de séculos de resistência de um povo arrancado à força do continente africano, submetido à violência, mas que nunca deixou de lutar por liberdade.
A história da abolição começou muito antes de 1888. Desde a chegada dos primeiros africanos sequestrados e trazidos ao Brasil, a partir da década de 1530, houve resistência. Foram fugas em massa, quilombos formados em diversas regiões do país, revoltas como a dos Malês, organizada por muçulmanos negros na Bahia, e também as irmandades negras, que juntavam esforços para comprar alforrias e garantir a liberdade de seus membros.
Essas ações individuais e coletivas empurraram o sistema para o colapso. No cenário político, o Brasil vivia o enfraquecimento da monarquia e a ascensão do movimento republicano. Para muitos historiadores, a assinatura da Lei Áurea foi à última cartada da monarquia para tentar manter algum apoio popular.
Nesse contexto, leis foram criadas apenas para “inglês ver”. Literalmente. A Inglaterra pressionava pelo fim da escravidão, mas por interesse econômico, queria ampliar o mercado consumidor de seus produtos em meio à Revolução Industrial. Foi assim que surgiram leis como a do Ventre Livre (1871), que dizia libertar filhos de pessoas escravizadas, e a do Sexagenário (1885), que prometia liberdade aos escravizados com mais de 60 anos. Ambas, na prática, pouco mudaram.
Mas desde 1831, o tráfico de pessoas pelo Atlântico já era considerado ilegal. Foi essa brecha legal que o baiano Luiz Gama, um dos maiores nomes do abolicionismo brasileiro, usou décadas depois para libertar mais de 500 pessoas. E é impossível falar da abolição sem lembrar de sua trajetória.
Luiz Gama nasceu livre, mas foi vendido pelo próprio pai, de origem portuguesa, para pagar dívidas. Ainda criança, foi parar em São Paulo. Aprendeu a ler e escrever com a ajuda de um hóspede da casa do senhor onde vivia e, aos 18 anos, conseguiu provar que tinha direito à liberdade.
Sem formação universitária, mas com profundo conhecimento das leis, atuou como rábula (advogado sem diploma) e virou referência no combate à escravidão. Publicou poemas, escreveu artigos e escancarou os horrores do racismo e da escravidão. Em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reconheceu oficialmente Luiz Gama como advogado, um ato simbólico que veio com mais de um século de atraso.
A escritora Ana Maria Gonçalves, autora do livro Um Defeito de Cor, destaca que a abolição foi acelerada porque as elites começaram a temer a organização cada vez mais consciente dos escravizados. A articulação inteligente dos negros representava uma ameaça real ao sistema.
Luiz Gama faleceu em 24 de agosto de 1882, vítima de complicações do diabetes. Morreu sem ver a abolição que tanto ajudou a construir. O Brasil, último país das Américas a acabar com a escravidão, carrega até hoje os reflexos desse passado violento.